É com imensa satisfação que me disponho a apresentar o livro
de Elisangela. O longo diálogo com essa psicóloga, hoje mestre em educação,
interessada em questões pedagógicas foi um desafio extremamente agradável, dada
a perspicácia e voracidade dessa educadora, em relação ao necessário mergulho em águas nem sempre
brandas, nem sempre claras da educação escolar. A função de psicóloga escolar e
educacional que a autora exerceu em uma escola de ensino fundamental reservou-lhe
surpresas inusitadas, acrescentando-lhe elementos de reflexão no esforço que
assumiu em apurar o olhar e a escuta articulando dois papéis: o de psicóloga e
o de pesquisadora da educação.
Acostumada ao olhar pautado nos fundamentos psicológicos, especialmente
focado em Winnicott, a autora expandiu seus horizontes, associando aos
importantes conceitos dessa área, os conhecimentos oriundos da apropriação de
leituras de outros autores – menos
conhecidos em função da sua área de formação – voltados para temas emblemáticos
como metodologia do ensino nas séries iniciais do Ensino Fundamental; relações
interpessoais e intervenções pedagógicas no cotidiano das salas de aula;
formação continuada e apropriação do conceito de criança: no contexto
contemporâneo; aspectos da alfabetização e produção escrita em situação de
apoio pedagógico. O resultado foi um casamento promissor, entre psicologia e
pedagogia, com foco na principal razão dos esforços conjugados das ciências da
educação: a infância brasileira.
Elisangela descortina aspectos relevantes da indicação de
alunos para o chamado “apoio pedagógico” de crianças consideradas, pela
escola,“lentas”, “indisciplinadas”, “mimadas”, “desatentas”
enfim...“problemas”. De fato, a tradição educacional, considerando a trajetória
escolar um processo linear que deve ser vivenciado por todos os alunos no mesmo
ritmo e do mesmo modo, aqueles alunos que não se ajustam às regras
disciplinares, ou não se comportam adequadamente na sala de aula, fugindo da
linearidade proposta pelo sistema de ensino, são entendidos como portadores de
manifestações sintomáticas e são, a partir do senso comum, pré-rotulados pelo
professor como portadores de alguma dificuldade ou disfunção.
No desempenho de sua função, a autora, já experiente em conversar
com crianças e adolescentes, procurando compreender as diferentes
razões/motivações que os levam a apresentar alguma dificuldade nas relações
interpessoais e/ou no aprendizado escolar, passou a interrogar-se sobre o
elevado percentual de alunos nessa condição e tomou a si a tarefa de
compreender melhor as relações estabelecidas nesse processo. As “dificuldades”
estavam sendo atribuídas, numa porcentagem relevante, às questões emocionais,
sem questionamentos relacionados aos aspectos pedagógicos ou intra escolares.
A proposta de intervenção, discutida e aceita pela escola,
permitiu à pesquisadora/psicóloga/pedagoga maior aproximação aos sujeitos
envolvidos, de modo a poder contribuir com sua análise, abrangendo assim
diferentes e ricos aspectos dos meandros do cotidiano da sala de aula. Uma de
suas importantes conclusões aponta para a necessidade da adoção de procedimentos
didáticos que consideram as condições interacionais e discursivas de uso da
linguagem e, a criança, como sujeito multidimensional, oriunda de um contexto
cultural contemporâneo, com todas as características próprias desse meio
social. Outro aspecto importante foi a valorização do espaço de apoio
pedagógico, como espaço acolhedor, permitindo à
criança um encontro lúdico e criativo, especialmente com a produção
escrita .
Nas palavras de Elisangela: “Nesse espaço a criança pode
falar, sem receio de ser discriminada ou punida, um lugar em que a sua opinião
é ouvida, tendo a liberdade de falar das suas insatisfações com amigos, irmãos,
pais e professoras. Um lugar onde pode se expressar com liberdade”. Quanto aos
professores afirma: “[...] Nessa fala diferenciada, as professoras têm a
oportunidade de refletir sobre as suas ações, como por exemplo, as interferências
da vida pessoal que são projetadas e/ou transferidas para sala de aula”. Para a
autora é somente conhecendo melhor as relações que se estabelecem em sala de
aula, mediadas pelas interações interpessoais, e respeitando a subjetividade
que se constrói no social, que se pode criar meios para que o trabalho pedagógico
resulte em maior sucesso no processo de ensino-aprendizagem da linguagem
escrita e práticas de leitura.
Os detalhes dessa investigação são surpreendentes. Fica aqui
o convite à leitura dos resultados de um trabalho criterioso, em que a escola,
cenário das reflexões, e seus sujeitos merecem todo o respeito da pesquisadora.
Considero uma contribuição inestimável no campo das práticas pedagógicas.
Somente o diálogo com a autora e seus sujeitos possibilitará ao leitor inserir-se
nessa grande aventura.